quarta-feira, 20 de maio de 2009

Janelas

Janelas sempre foram coisas fascinantes pra mim. Dá pra colocar cortinas, persianas, flores e todo tipo de adornos. Enfim, dá pra fazer milhares de coisas pra enfeitar sua janela. Mas eu percebi que não adianta nada. Não importa o que se coloca por dentro: não depende de você o que se vê do lado de fora.
Uma coisa que acho bastante interessante é que, nos dias de hoje em que a gente mora em prédio, dá pra notar que, quando você tenta olhar pra dentro da janela dos outros, dá pra ver muito pouca coisa. Mas da sua janela – ou, como se diz melhor em espanhol, desde a sua janela – dá pra ver um mundo incrível. As janelas são algo de dentro pra fora.
Só pra recordar uma coisa. Um certo dia, um amigo meu estava fazendo daquelas brincadeiras de folhear o dicionário, perguntar o que significava tal palavra e ver se a gente acerta. Foi quando ele perguntou: o que é defenestrar? Eu, então, respondi: é lançar pela janela. Ele se surpreendeu. Mas essa eu sabia porque uma amiga tinha um dia comentado que viu essa palavra e achou engraçada. E não é que é engraçada mesmo? A gente normalmente não a conhece, mas, talvez, seja o nome da melhor função da janela: nos lançar para fora.
Ontem, curiosamente, eu me defenestrei. E vi coisas que talvez sempre estiveram ali. Mas na correria do dia a dia, a gente não consegue ver as coisas que vê. “Não vemos o que vemos; vemos o que somos”, disse Bernardo Soares. Será que isso é verdade? Penso que se for, talvez não somos muitas e diversas coisas. Talvez não queiramos sê-las, não saibamos sê-las, ou finjamos não sê-las. Enfim, ontem talvez eu fui algumas dessas coisas.
Notei uma mulher despenteada, completamente. Cabelo ruim, ou mal cuidado, muito mal vestida, um tanto feia, dormindo no chão. Talvez já fosse hora de acordar. Mas, eu pensei: acordar pra que, se ela nem tem onde dormir? Com certeza nem tem onde acordar. E eu imaginei se ela tinha saudades da mãe dela.
Eu também reparei num ônibus que passou. Laranja, pra mostrar que não adianta fazer uma lei pra tirar os anúncios publicitários da cidade, ela vai continuar cheia de poluição visual. Será que eu também sou uma poluição visual? Mas, enfim, eu reparei um homem de meia-idade, todo arrumado, de terno e vi que ele nem se movia. O olhar estava baixo, e achei que ele chorava. Não tinha lágrima, ou não dava pra ver bem, mas eu achei isso por algum motivo. Não havia nada nele que combinasse com seu estilo caro. Ele me pareceu estar barato. E eu imaginei se ele tinha saudades da mãe dele.
O mais legal foi na frente da loja dos chineses. Tinha um molequinho, de uns quatro anos de idade, que não parava de pular. Pular na calçada. Aquele sim estava feliz. Por quê? Tenho certeza de que ele não sabia. Talvez exatamente o não saber o fazia feliz. Os adultos são ridículos, pois não conseguem se espelhar nas crianças. E pobres das crianças se fizerem dos adultos seus espelhos. Esteja certo de que elas não riem pra nós; elas riem de nós. Ele estava perto de seus avós chineses, com aquelas caras de quem come soja, e eu não consegui parar de imaginar se ele estava com saudades da mãe dele.
Daí, de repente, vi chegarem meus amigos que eu estava esperando, pois íamos sair pra jantar. Chegaram em um carro bonito e novo. Mas eu notei que pararam de discutir só quando se aproximaram do prédio. Sabe como são os adultos: um fingimento constante. “A vida é um palco”, já disse algum realista. E naquele momento, antes que eu fechasse minha janela pra descer, alguém do prédio da frente fechou a dele. E como era de vidros espelhados, eu me vi. Fiquei parado por um segundo que durou muito tempo. Vi um moleque, um senhor de meia-idade, uma mulher descabelada, um ônibus laranja, um carro novo, um pedinte, uma vendedora de loja, um hippie da praça do centro da cidade, um cão, um padre, um meu irmão, o meu pai, minha mãe, e, finalmente, a minha própria janela – vazia.

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