domingo, 22 de dezembro de 2013

Estamos chegando a Lomé

O tempo caminha pra frente
Passo a passo
Como desde sempre
O tempo só anda pra frente
Sem explicar porque assim ele é
E nesse caminhar descompassado
Sem concordar com o relógio
Pé após pé

Estamos chegando a Lomé

Há ruas nesse caminhar do tempo
Estreitas, largas, possíveis, impossíveis
Há ruas
Algumas onde queremos ir
Outras onde temos que ir
Há ruas
Onde o tempo passa
E outras onde o tempo não passa
Sem explicar porque assim ele é
E nesse compassar descaminhado
Sem concordar com os mapas
Pé após pé

Estamos chegando a Lomé

O caminho está cheio de estações
E de pessoas a embarcar e a desembarcar
Há rios e mares a atravessar
Pra voltar
Pra não voltar
Pra fazer, e seguir, e ir, e chegar
Há portos e praias para ancorar
Há pontes, e balsas, e pontes, e balsas
Pontes e balsas sólidas
E pontes e balsas falsas
E há escolhas e [des]escolhas
Há caminho e descaminho
Que caminha descontinuadamente
Sem explicar porque assim ele é
E nesse continuar [des]escolhido
A concordar ou discordar do roteiro
Pé após pé

Estamos chegando a Lomé

E quando se avista dezembro
E o anunciar de um acelerar desacelerado
Parece que o tempo passa mais rápido
Parece que os caminhos passam mais rápido
E parece que se quer parar pra refazer

E quando se avista dezembro
Não se sabe se foi feito ou desfeito
O caminho traçado pro destino
[Pra que caminhar com destino?]
E quando se olha o calendário
Que traçou quadros e bordas
E linhas e traços
Pra enquadrar um tempo que não se cansa
De dizer que assim ele não é
Os dias caminham como sempre
Em meios a acerto e tropeço
Pé após pé

E estamos chegando ao começo

domingo, 24 de novembro de 2013

Espelho sem moldura / ou Moldura sem espelho

Tem dias em que ao olhar no espelho
Eu vejo os meus cabelos ficando grisalhos
E fico imaginando o dia em que eles estarão todos cinzas
E em que eu, mais chato, serei mais brando
mais sincero, serei mais calmo,
mais austero, serei mais complacente
O dia eu que eu serei diferente
E ao mesmo tempo, o dia em que eu me lembrarei da infância
E não terei medo do futuro
Do futuro certo e do incerto
Se é que há um futuro certo
E se é que há um futuro incerto

Tem dias em que ao olhar no espelho
Eu vejo os dias que não aconteceram
E vejo que o tempo só passa na imaginação dos tolos
De todos nós, tolos,
e continua e continuará a passar

Tem dias em que ao olhar no espelho
Eu apenas vejo o espelho.

domingo, 21 de abril de 2013

As tardes de domingo do interior.

Eu não gosto dos domingos no interior. Eles me trazem uma calma que não é minha, mas que me lembra você. Um vento perto das seis horas da tarde, e todo o espectro de cores atrás da montanha. E eu vejo você. E o vento continua até perto das sete horas da noite. E eu já não vejo você, mas eu sinto você. E então eu escuto algumas notas menores do lado direito do peito. Tentando passar para o lado esquerdo. Mas eu não deixo. Eu levanto, e caminho, e olho no espelho, e penso em você. Lembro das coisas erradas que você trazia do supermercado. Das bolachas de chocolate que chegavam de morango. Dos chocolates amargos que chegavam doces. Das margarinas mais caras. Lembro do garfo segurado de uma maneira errada. Eu deveria ter me divertido mais com tudo isso. Lembro do seu olhar distante e melancólico e simples. E lembro da saudade que você sentia da sua mãe. Lembro novamente do seu olhar melancólico, que só os nossos cachorros conseguiram copiar. Pois só os seres bons conseguem copiar de verdade os outros seres bons. E eu passo um café. E sinto aquele cheiro idoso de Perdões. Aquele cheiro de domingo depressivo, daquele vento de outono com barulho de semente sendo pisada no chão. Aquele cheiro de voltar pra casa pra ir pra igreja sentindo completude no coração. E eu olho pro céu que já escureceu e pra montanha que já não tem mais cores por detrás. E lembro do seu olhar na cozinha descascando amendoim. Num dia em que por algum motivo se decidiu tostar amendoins. Numa casa onde nem se gostava tanto assim de amendoim. E eu sinto uma saudade tão grande de você que me faz sorrir um pouco. Porque apesar de eu detestar os domingos no interior, eu gostei muito de você. E então eu começo a gostar de uma coisa que eu não gosto. Sem entender. E sem querer entender.