domingo, 26 de setembro de 2010

Toda saudade é um cais

Eu não imaginei que pudesse ser tão difícil levantar de uma mesa de um café
E deixar pra trás tantos outros cafés e papos e dias e noites
E histórias e contos e causos e sons e silêncios
E risos e choros
E você
E eu

"Todo cais é uma saudade de pedra"
Toda saudade é um cais
Todo barco é parte de um cais
Uma parte que vai embora
Talvez todos nós sejamos partes de um cais
Uma parte que deixa o barco ir

Talvez me falte uma âncora
Talvez a vida seja mesmo cheia de cais

[silêncio]

"Todo cais é uma saudade de pedra".

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

"Que tem o inefável comigo?"

Alguém um dia perguntou por aí: "Que tem o Inefável comigo?"
Pois eu faria a mesma pergunta. Afinal, por que tanta falta de palavras para descrever a complexidade da simplicidade de tudo?
O que é que quer o inefável comigo?
Talvez não haja, na verdade, falta de palavras. Talvez elas apenas tomem outra proporção e por isso precisem de outra forma de organização: em cinco linhas, lidas de baixo pra cima, com possibilidade de extensões pra cima e pra baixo.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

E se a primavera chegar...


E se a primavera este ano chegar sem flores?
Talvez então seja o tempo de plantar.
Às vezes o vento é forte e a primavera chega ainda com um certo frio do inverno.
Mas as estações continuam mudando, sempre. Cada uma depois da outra.
Às vezes se misturando umas com as outras.
Talvez seja tempo de se esforçar.

E se a primavera este ano chegar sem folhas?
Talvez seja sinal de que no próximo outono pouco há de cair.
Talvez seja o sinal de que as coisas começam a se manter
Pra depois renascer.
Talvez.

E se a primavera este ano chegar sem troncos?
Pode ser indicação de que é hora de migrar.
As árvores não migram; elas têm troncos.
Talvez seja tempo de seguir o vento e recriar.
Verdejar.
Até parar por aí
Se for mesmo necessário parar
Antes da próxima primavera.

E se a primavera este ano chegar sem raízes?
Bem...
Sem raízes não é possível nem ficar, nem caminhar, nem recomeçar.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Em poucas palavras...

Eu acordo e olho pros lados pensando no que devo fazer
Abro a janela, a cortina e preparo o café
Forte, quente e começo o dia
Penso em ler algo que deveria ler
Não leio
Às vezes leio outra coisa também, de certa forma, importante
Leio nesta e em outras línguas
Leio
Cantarolo algo aparentemente sem sentido
Nesta e em outras línguas
Olho para o piano que eu deveria tocar e não toco
Não sei
Aquela é uma língua já difícil demais pra mim

Penso no parque
Não vou
Penso na piscina
Não vou
Às vezes vou pra um deles
No geral não vou

Penso
Repenso
Desisto
E penso algo diferente
Cantarolo algo novo
Crio no meio do cantarolar
E paro
Penso de novo

Me arrumo
Às vezes demoro
Às vezes não
Cantarolo algo no banho
Mas não gosto muito de cantarolar no banho
Penso na roupa
Às vezes não penso
Penso no relógio
Nele sempre penso

Caminho até o metrô
Cantarolando algo bem alto
Cantarolo no metrô também
Saio, ando, desço, subo, paro, vou, volto
Chego

Entro

Começo

Cumprimento

Sorrio

Ando pelas escadas
Elevadores
Cantarolando alguma coisa cult
Às vezes é preciso ser cult
Como
Olho pela janela e esqueço de tudo
Lembro de novo

Digito
Leio
Atendo
Ligo
Crio problemas
Criam problemas
Resolvo
Às vezes não resolvo
Chamo pelo rádio
Escuto resposta
Às vezes não escuto
Me xingam
Tento ser educado
Às vezes não sou
Normalmente sou
Desligo
Cantarolo algo em outra língua bem distante
Assim ninguém entederá
Algumas poucas pessoas sim
Mas poucas
Sempre são poucas pessoas que entendem qualquer de nossas línguas
Mesmo se for a mesma delas
Desisto

Recomeço

Sorrio

Recebo pessoas

Sorrio

Faço a introdução de algo que vai começar
Algo começa

Sorrio

Paro

Saio
Ouço silêncio

Desço

Volto

Encerro

Saio
Às vezes encontro uma pessoa especial
Às vezes não

Refaço uma rotina já dita antes
Mas ao contrário
Não cantorolo

Desisto

Chego

Tiro os sapatos

Deito virado para o lado oposto da cama

E percebo que cantarolar é a coisa mais de verdade que eu faço na minha vida
Mas só eu acredito nisso

...
Durmo