sábado, 30 de maio de 2009

O sonho de Ícaro



Eu bem queria que hoje fosse dia 17 de outubro de 1983

E com muitos sonhos e imaginações na cabeça

Nascesse um garoto, um novo garoto

Com tanta gente esperando que

Um choro sinalizasse saúde e vida

Como se ninguém entendesse a realidade de que

A vida se manifesta até mesmo no silêncio


Eu queria 20 e poucos anos diferentes

Deles sobraria pouco e sobrariam poucos

Com certeza manteria o pé de pitanga

E os de jabuticaba

Mas não preservaria vários dos pés que me guiaram por caminhos indesejáveis

E cruéis demais

Eu teria aprendido menos de muitas coisas

E mais de poucas, pouquíssimas coisas

Que fariam de mim alguém irreconhecível pra quem me considera conhecido

Eu seria muito mais eu


Eu queria que hoje fosse 17 de outubro de 1983

E que as expectativas fossem diferentes

Pois, infelizmente, nos tornamos um pouco das expectativas dos outros

Eu daria mais interesse às minhas expectativas

E deixaria menos coisas pro futuro

Eu curtiria mais meus aniversários

Eu dormiria mais

Mas sonharia menos

Eu queria menos vão

Entre tudo isso que é tão, tão vão

Em todos nós


Se hoje fosse dia 17 de outubro de 1983

Eu nasceria às 7h25 da manhã

E não da noite

Eu seria menos bom

Mas mais justo

Muito mais justo

Eu me chamaria Ícaro

E me deixaria ser tentado a voar pra perto do Sol

Mesmo que fosse pra morrer no mar

Eu veria mais o mar

E escutaria mais o mar


Se hoje fosse 17 de outubro de 1983 outra vez

Eu me recusaria a chorar

Só pra ensinar que a gente não pode nascer

Já aprendendo a se sentir tão indefeso

Isso se hoje fosse 17 de outubro

De 1983.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

As primeiras horas do dia

Perto das 5 da tarde é sempre a mesma correria. Terminar os e-mails pra mandar, as tabelas do Excel, as listas de ciblage, os últimos telefonemas; milhares de minutos pra caber em poucos minutos.
E logo mais tarde, ao fechar as janelas começa a grande correria, a grande travessia.
Eu ando rápido pelos jardins, espero um ônibus que às vezes demora, às vezes não. E se ele demora eu bato o pé, cruzo o braço, descruzo o braço, bato o pé de novo, ando de um lado pro outro. E ele chega, enfim. Depois de um trajeto nada augusto eu desço como um louco pra pegar o metrô. Atravesso aquela multidão de outros, atravesso a rua. Milhares de pensamentos me atravessam. Às vezes nenhum. E, muitas vezes pela primeira vez no dia, eu vejo o azul do céu. Entre prédios, mas ele continua azul. Insiste em ser azul.
E na correria do céu pra ficar negro, eu desço desesperado pelas escadas do metrô. Filas nas catracas, espera, mais espera, primeiro metrô, não entro, segundo metrô, entro. Às vezes cheio, às vezes não. A cabeça sempre cheia. Sempre não, quase sempre.
As estações parecem demorar mais pra chegar nesse horário, mas chegam.
Na minha estação eu desço, correndo mais que minhas próprias pernas. Quase tropeço nos meus próprios passos. Subo escadas, mais escadas, túnel, mais escada e enfim uma luz.
No último raio de luz do sol que às vezes ainda há eu olho para o obelisco do parque, tiro a fantasia e sei que tenho algumas horas restantes pra tentar viver.
E nessa loucura entre jardins e paraíso eu vivo. Ou sobrevivo.
Ou vivo.

Entre os dias

Eu queria que hoje fosse ontem
Pra eu ter um amanhã que seria um hoje totalmente diferente de hoje.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Janelas

Janelas sempre foram coisas fascinantes pra mim. Dá pra colocar cortinas, persianas, flores e todo tipo de adornos. Enfim, dá pra fazer milhares de coisas pra enfeitar sua janela. Mas eu percebi que não adianta nada. Não importa o que se coloca por dentro: não depende de você o que se vê do lado de fora.
Uma coisa que acho bastante interessante é que, nos dias de hoje em que a gente mora em prédio, dá pra notar que, quando você tenta olhar pra dentro da janela dos outros, dá pra ver muito pouca coisa. Mas da sua janela – ou, como se diz melhor em espanhol, desde a sua janela – dá pra ver um mundo incrível. As janelas são algo de dentro pra fora.
Só pra recordar uma coisa. Um certo dia, um amigo meu estava fazendo daquelas brincadeiras de folhear o dicionário, perguntar o que significava tal palavra e ver se a gente acerta. Foi quando ele perguntou: o que é defenestrar? Eu, então, respondi: é lançar pela janela. Ele se surpreendeu. Mas essa eu sabia porque uma amiga tinha um dia comentado que viu essa palavra e achou engraçada. E não é que é engraçada mesmo? A gente normalmente não a conhece, mas, talvez, seja o nome da melhor função da janela: nos lançar para fora.
Ontem, curiosamente, eu me defenestrei. E vi coisas que talvez sempre estiveram ali. Mas na correria do dia a dia, a gente não consegue ver as coisas que vê. “Não vemos o que vemos; vemos o que somos”, disse Bernardo Soares. Será que isso é verdade? Penso que se for, talvez não somos muitas e diversas coisas. Talvez não queiramos sê-las, não saibamos sê-las, ou finjamos não sê-las. Enfim, ontem talvez eu fui algumas dessas coisas.
Notei uma mulher despenteada, completamente. Cabelo ruim, ou mal cuidado, muito mal vestida, um tanto feia, dormindo no chão. Talvez já fosse hora de acordar. Mas, eu pensei: acordar pra que, se ela nem tem onde dormir? Com certeza nem tem onde acordar. E eu imaginei se ela tinha saudades da mãe dela.
Eu também reparei num ônibus que passou. Laranja, pra mostrar que não adianta fazer uma lei pra tirar os anúncios publicitários da cidade, ela vai continuar cheia de poluição visual. Será que eu também sou uma poluição visual? Mas, enfim, eu reparei um homem de meia-idade, todo arrumado, de terno e vi que ele nem se movia. O olhar estava baixo, e achei que ele chorava. Não tinha lágrima, ou não dava pra ver bem, mas eu achei isso por algum motivo. Não havia nada nele que combinasse com seu estilo caro. Ele me pareceu estar barato. E eu imaginei se ele tinha saudades da mãe dele.
O mais legal foi na frente da loja dos chineses. Tinha um molequinho, de uns quatro anos de idade, que não parava de pular. Pular na calçada. Aquele sim estava feliz. Por quê? Tenho certeza de que ele não sabia. Talvez exatamente o não saber o fazia feliz. Os adultos são ridículos, pois não conseguem se espelhar nas crianças. E pobres das crianças se fizerem dos adultos seus espelhos. Esteja certo de que elas não riem pra nós; elas riem de nós. Ele estava perto de seus avós chineses, com aquelas caras de quem come soja, e eu não consegui parar de imaginar se ele estava com saudades da mãe dele.
Daí, de repente, vi chegarem meus amigos que eu estava esperando, pois íamos sair pra jantar. Chegaram em um carro bonito e novo. Mas eu notei que pararam de discutir só quando se aproximaram do prédio. Sabe como são os adultos: um fingimento constante. “A vida é um palco”, já disse algum realista. E naquele momento, antes que eu fechasse minha janela pra descer, alguém do prédio da frente fechou a dele. E como era de vidros espelhados, eu me vi. Fiquei parado por um segundo que durou muito tempo. Vi um moleque, um senhor de meia-idade, uma mulher descabelada, um ônibus laranja, um carro novo, um pedinte, uma vendedora de loja, um hippie da praça do centro da cidade, um cão, um padre, um meu irmão, o meu pai, minha mãe, e, finalmente, a minha própria janela – vazia.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Tempo

"Sou perecível ao tempo
Vivo por um segundo..."

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Também sem título


Sem título


Now and then

De vez em quando a gente se surpreende nessa vida

De vez em quando
Só de vez em quando.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Alergias e alegrias

Há já alguns anos eu noto que tenho uma pequena mas incômoda alergia a algum ou alguns temperos que ainda não consegui identificar exatamente. Não é nada que me dê coceiras pelo corpo todo, vermelhidão excessiva ou previsão de morte, mas me dá um incômodo geral e um calor não importa o inverno.
Mais recentemente notei que em alguns restaurantes perto do trabalho isso estava se manifestando com mais frequência, daí percebi a presença de coentro em várias coisas, fui mudando os lugares de almoço pra tentar melhoras... mas PAM! tarde demais. Virou uma alergia psicológica. É só chegar a hora do almoço, antes mesmo de eu sair pra almoçar e o mal-estar já chega. E pra minha satisfação ele persiste até a hora de sair do trabalho. Na verdade, normalmente por cerca de 30min a 1hora após a saída do trabalho.
Descobri, então, que é alergia ao trabalho! Doença complicada de curar.
No entanto, o que quero relatar é que hoje eu fui almoçar, saí depois pra andar pela vizinhança e simplesmente notei que o dia estava mais bonito, o clima melhor, a 1h de almoço durou mais... Achei estranho.
Voltei, comecei a usar o computador e, de repente, PAM! Eu notei que não estava sentindo o mal-estar! Talvez beeeem lá no fundo um pouquinho, mas quase inexistente. Enfim, prefiro dizer que nem estava sentindo! Por isso estava tudo tão mais agradável!
Será que isso indica uma cura psicológica definitiva e intensa, uma transformação radical, um alinhamento dos astros, a influência da lua na quantidade de água do meu corpo fazendo com que meu destino jamais seja o mesmo? Será que aponta que a partir de hoje posso por coentro até na água e nenhum mal me alcançará? Será que mostra que eu adoro meu trabalho?
Menos, Alex, menos.
Viver um dia a cada dia;
Um almoço a cada almoço;
Uma alegria a mais a cada alergia a menos;
Um dia a mais a cada dia a menos.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

F. Pessoa

"Quem não vê bem uma palavra, não pode ver bem uma alma."