domingo, 19 de abril de 2009

Desgraçado

Hoje, ao sair da igreja, eu fui andando pela rua indo pro ponto de ônibus, com o celular na mão, quando um adolescente com cara de trombadinha veio em minha direção, naquela rua escura e um tanto vazia. Eu, como usual, não senti muito medo, mas apenas pensei que ele poderia roubar o meu telefone. Ele realmente queria falar alguma coisa [ou talvez roubar-me mesmo], e se aproximou já dizendo algo do tipo "calma, que eu não sou malandro não", frase para a qual eu respondi "tudo bem, então", e atravessei a rua. Ele, na hora, só disse: "desgraçado", e continuamos cada um para o seu lado.
Eu, naquele momento, fiquei pensando no quão desgraçada foi mesmo aquela minha atitude.
Eu havia acabado de sair de um local onde se fala de graça e manifestei exatamente o contrário para a primeira pessoa que fez contato comigo depois dali.
Mas eu, realmente, não consegui pensar em qual outra atitude eu poderia ter. Ficar e falar com ele, mesmo sabendo que provavelmente eu seria roubado? Eu só pensei que se realmente ele não era um trombadinha, ele conseguiu então me descrever perfeitamente naquele momento com o adjetivo que me deu. Afinal, eu não ofereci graça alguma naquela hora, e me mostrei completamente sem ela.
Um pouco mais a frente, depois de descer do ônibus, ainda na mesma avenida, vi uma adolescente que teve que insistir com um grupo de adolescentes para que algum deles lhe desse o resto de uma casquinha de sorvete. Saiu xingando, com um cone com ainda algum resto de sorvete na mão, que um deles lhe deu. Alguém com pouca graça para oferecer, e num sorvete que já estava com ódio demais pra que ela pudesse sentir prazer, eu penso.
E então, por alguns minutos, eu fiquei pensando no que é que a gente pode fazer de verdade para ajudar a vida de alguém. E como fazê-lo. Todos nós precisamos tanto de alguém que entenda o que a gente sente, e a gente nunca encontra isso, e nem oferece isso pros outros, seja pros próximos ou para os da rua, e mesmo para os que moram na rua. Novamente, e como fazê-lo?
Eu fui indo pra casa, passei no supermercado de luxo do bairro, comprei um pão australiano, e vim viver a minha vida fingida de burguês, com as minhas bolachas de gotas de chocolate que chegaram de Israel.
E, como sempre, quem dorme na rua continua na rua, quem não tem sorvete continua sem sorvete, e eu continuo sendo o mesmo hipócrita que sempre fui.
Desgraçado.

Um comentário:

Nair disse...

O melhor texto que você já escreveu.